ENTREVISTA

"ACHO QUE VOU INDO ATÉ ONDE DER...",
diz o cartunista sobre a intervenção.
Ágape: Uma Prática Anticonsumista

   O Cartunista Jorge Elô está promovendo já há alguns meses uma intervenção cultural chamado "Ágape: Um Movimento Anticonsumista", e tem a proposta de trazer uma reflexão sofre o consumismo exacerbado com uma atitude bem curiosa e beneficente. Ele doou todo o seu guarda roupa, ficando apenas com poucos figurinos que tem usado a cada período da intervenção, e continua fazendo a campanha para que as pessoas doem alguma vestimenta aos mais necessitados. A intenção é boa, mas o artista sente que a intervenção não larga mais do pé dele! A intervenção não tem pretensão pra acabar, pelomenos por enquanto. 
   E SÓ PRA LEMBRAR: Jorge também estará no III OverDoze, expondo alguns de seus desenhos, a partir das 18h. E CLARO, NÃO PODEMOS DEIXAR DE FRISAR QUE O MEIA DE U.S SOBE AO PALCO ÁS 22:40h, imperdível!!!

Na porta do antigo Cine Capitólio
   Acompanhe agora uma entrevista com Jorge Êlo:


     O.N.: “Ágape: Uma prática anticomunista”, assim se chama esta sua manifestação artística, o que representa a palavra Ágape nesse contexto? 
   J.E.: Ágape é uma das três formas que os gregos concebiam do amor. Para eles, significava o amor universal, direcionado a todo tipo de vida, mais diretamente à própria vida. Para entendermos melhor, é aquilo que o cristianismo posteriormente transformou no conceito de amor divino. Neste sentido, na intervenção, pensamos em algo como se a maneira mais viável para se discutir o consumismo fosse através dessa noção de amor universal, voltado a todo tipo de existência. O capitalismo e seu consequente consumo desenfreado é pautado na ideia de indivíduo, de identidade e autenticidade, e por isso, dificilmente chegaremos a algum lugar partindo destas representações. É preciso olhar o problema como um problema para todo tipo de vida, não apenas um problema humano.   

         O.N.: De onde surgiu a ideia de fazer esta intervenção?
 J.E.: Foi algo bem banal. Surgiu de madrugada de conversa com  amigos, onde acabamos versando sobre o tema. As doações das roupas foi o “mote”, pois sempre fui desapegado a elas, e no momento que discutíamos, eu estava com uma camisa presenteada por Clidenildo e uma calça presenteada por Flávio. Pensamos na ideia de doar todas as minhas roupas e pedir doações aos amigos, montar quatro figurinos para ser usado cada um por um mês e, por fim, em declamações na Praça da Bandeira de poemas anticonsumistas. E assim no dia seguinte a gente já tava divulgando tudo através da internet, algo bem súbito mesmo, rsrsrs.

JORGE ELÔ IRONIZANDO O CAPITALISMO
  O.N.:Quais são os principais objetivos desta manifestação?
J.E.: Estas ações eram mais como uma forma de chamar a atenção ao tema do que simplesmente propor um modo de vida. A ideia não era doar roupas para resolver os problemas acarretados pelo consumismo, nem muito menos usar constante uma mesma roupa para reduzir o consumo. Estas ações serviram para chamar a atenção das pessoas sobre o tema e propor discussões e reflexões sobre o tema. Pelos quatro meses que passei pelo projeto, me sinto satisfeito pelas constantes reflexões que travei neste período.  Resumindo, seria causar discussões sobre o tema “consumismo” através das práticas de desapego e das leituras dos poemas.

 O.N: E como é ficar usando por vários dias a mesma roupa?
 J.E.: No início foi muito complicado. Não sabia como agir, nem quanto tempo usar cada roupa antes de lavar e nem muito menos se conseguiria cumprir minhas obrigações profissionais. Além disso fui muito rígido nos dois primeiros meses, sem me permitir usar nenhuma outra roupa além daquela escolhida como figurino. Usei toalhas, sequei roupas com ferro e atrás da geladeira. Mas o pior era encarar as pessoas do bairro todos os dias. No início elas ficaram um pouco chocadas, e decidi fazer uns folhetos para avisar do que se tratava. Neste momento tive a ajuda fundamental do artista Jardel (Jas-One), que colou uns lambis-lambis tamanho natural no centro avisando sobre a intervenção e preparou os panfletos. Ficou muito bom o trabalho dele e ajudou muito para que a curiosidade das pessoas aumentasse sobre o tema. 

 O.N.: É verdade que você doou todas as suas roupas? E agora o que vai fazer, vai ficar o resto da vida vestindo apenas estas quatro roupas?
 J.E.: Não, ainda bem. Rsrsrsrs. Muito embora tenha me acostumado, pois desde o dia primeiro deste mês não deveria estar usando mais o figurino, porém, não tenho tanta opção de roupas para usar depois que doei todas. Mas pretendo seguir uma ideia que pensei em um conto publicado no Paraíba Online, onde dizia que o ideal seria apenas  quatro camisas, duas calças, um casaco e um calçado. Desta forma, não teria problema consumir e comprar novas peças, deste que outra fosse doada. Tenho certeza que a partir de agora, meu guarda roupa não comportará mais do que o número de peças citadas acima.

O.N.: Durante a Intervenção você faz declamações de poemas anticonsumistas. Quais são os mais importantes pra você? Por quê?
J.E.:Todos os poemas são importantes, pois eles foram doados por amigos poetas que se sensibilizaram com a intervenção. É certo que também são usados poemas de autores nacionais e internacionais, mas não os vejo como mais importantes dos que os poemas dos amigos que foram feitos exclusivamente para essa intervenção.
  
 O.N.: Você também fez arrecadação de roupas para doações. Como se procederam essas arrecadações, e quem recebeu essas doações?
 J.E.: As doações eram para ter sido feitas no GAPO, mas acabaram ocorrendo aleatoriamente, para pessoas que passaram em minha casa em busca de ajuda. O pouco que ainda restou (recebi mesmo muita doação) vou doar durante minhas caminhadas noturnas para pessoas que encontrar dormindo nas ruas.
Jorge Elô com Max Kehrle na estréia
do MEIA DE U.S

 O.N.: Podemos observar que muitos amigos seus aderiram à prática anticonsumista, cada um de seu jeito, claro. O que isso representa pra você?
 J.E.: Fiquei muito grato. Sem essa ajuda, não teria conseguido nem um quarto do que consegui. Agradeço a todos, inclusive à Max (vocalosta do MEIA DE U.S) que acabou sendo meu posto de arrecadação do CEDUC, e de lá recebi uma grande quantidade de roupas.
Sou muito grato à Flávio e Edgar que tocaram e cantaram no dia da declamação de poemas. Os amigos poetas que fizeram os poemas, Jas-One, que fez o lambi-lambi e os stickers e a todos que doaram e difundiram a ideia. E também ao Outras Notícias... pela entrevista.
aventuras da vida comum  
      O.N.: Agora vamos falar um pouco de sua vida de artista. Você também é cartunista. Conte um pouco dos teus trabalhos em quadrinhos, e o sobre seu blog aventurasdavidacomum.blogspot.com .
 J.E.: O blog é como se fosse meu lugar de descarregar algumas angústias e alegrias. Gosto muito de tirinhas e tive a ideia de fazer o blog em 2006. Este ano é simbólico para mim pois o Baratão está comemorando 5 anos. Dia 11 de outubro ele faz aniversário e penso em fazer um bolinho para ele, rsrsrsrs.
tirinha do Baratão

          O.N.: Uma vez você disse: “quem até hoje desenha, é quem não deixou de praticar os rabiscos da infância...” o que esta frase significa pra você?
 J.E.: Que todo mundo sabe desenhar e teriam aprimorado se tivessem continuado desde a infância. O desenho foi a primeira linguagem humana, e todos sabemos ler e produzir nesta linguagem. Alguns falam melhor que outros, assim como ocorre no desenho. A maioria das pessoas param de desenhar na adolescência, devido à subordinação do hemisférios visual do nosso cérebro pelo hemisfério verbal. Tenho um curso voltado para esse tipo de pessoa que deixou de desenhar e que gostaria de voltar a fazê-lo. Ele é pautado no belo livro “Desenhando com o lado direito do cérebro”. 
Bode,
do escultor Fávio Candido Freire
Escultura feita em fibra de vidro

O.N.: E além do desenho, há mais algum tipo de arte que você pratica?
J.E.: Escrevo contos e poemas, fiz uma animação e pinto telas. Também estou aprendendo um bocado sobre escultura com Flávio Cândido Freire, um grande mestre escultor e recebi um convite dias desses para trabalhar como protagonista de um filme, o que é muito difícil para mim pois nunca pensei em ser ator. Tenho que estudar muito. 

   O.N: E para finalizar, diga até quando vai a intervenção “Ágape: uma prática Anticonsumista”? E como você pretende encerrar?
 J.E.: Não sei mais. Tinha planejado para acabar mês passado, mas como disse, ainda não me livrei do figurino. Também quero fazer algumas ações que acabaram não ocorrendo, como todas as declamações de poemas e palestras. Acho que vou indo até quando der, metamorfoseando esta minha iniciativa em algo que irá me acompanhar a vida inteira. Mas como será, não faço ideia. Queria agradecer pelo espaço e por permitir que me exponha sobre a intervenção, que acabou sendo uma ação com resultados muito mais pessoais do que sociais, creio eu, mas foram resultados profundos.

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