Usar drogas faz parte do direito a buscar a felicidade, defende neurocientista

Adultos responsáveis deveriam poder fazer suas próprias avaliações de risco e benefício e decidir quais substâncias ingerir sem interferência dos governos, argumenta o neurocientista.


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Todos temos direito à vida, à liberdade e à busca pela felicidade. A ideia, a princípio pouco controversa, está expressa na Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776. 

Mas e se a sua busca pela felicidade incluir usar drogas como maconha, cocaína, crack, metanfetamina, psilocibina ou qualquer outra? Aí não pode, diz a maioria dos governos pelo mundo afora.

Adultos responsáveis deveriam poder fazer suas próprias avaliações de risco e benefício e decidir quais substâncias ingerir sem interferência dos governos, argumenta o neurocientista americano Carl Hart, 54, professor da Universidade Columbia, em Nova York, em seu novo livro "Drogas para Adultos" (ed. Zahar).


Ele revela na obra que faz uso de crack, opioides e metanfetaminas, entre outros. Parte do texto é dedicado a contar essa sua experiência não só a título de curiosidade mas para que mais pessoas que fazem uso recreativo ou ocasional de drogas "saiam do armário", o que na visão dele ajudaria a amenizar o estigma colado a algumas dessas substâncias.

"Como sociedade, não podemos dizer que não gostamos das pessoas porque elas são pobres ou negras, então temos que delinear atividades para poder dizer que as pessoas que as praticam são indesejáveis. E o uso de drogas é ideal para isso. É uma forma indireta de demonizar certos grupos e manter a ordem social", diz ele.

Hart vê a separação das drogas ilícitas em categorias de acordo com sua suposta periculosidade ou poder de causar adicção como artificial e pouco embasada na ciência, e usada com frequência por políticos e formadores de opinião para justificar práticas racistas.

A trajetória da maconha nos Estados Unidos pode ajudar a entender esse argumento do cientista. Há algumas décadas, era retratada como causadora de dependência e destruidora de cérebros, além de ser apontada como causa da criminalidade e da degradação de bairros inteiros, geralmente negros e pobres. Milhões de pessoas foram presas por tráfico ou uso, na sua maioria negras, sem falar nas vidas perdidas na guerra às drogas.

Hoje, a canabis é legal para uso medicinal em 36 estados dos EUA e recreativo em 16 deles e é difícil achar quem aponte grandes malefícios relacionados à substância; pelo contrário, cada vez mais pesquisas indicam benefícios à saúde com seu uso.

Nos estados em que o uso recreativo é legalizado, fumar ou ingerir maconha socialmente tornou-se perfeitamente aceitável. "Quando mães de classe média brancas dos subúrbios dizem que algo é aceitável, aí tudo bem", diz Hart.

No entanto, o estigma atrelado a outras substâncias como crack e opioides persiste. "A maioria dos usuários de drogas não vai desenvolver problemas de dependência. E todas as substâncias têm algum poder de causar adicção, mas isso não significa que devam ser proibidas", afirma o neurocientista.

"Aqueles que racionalizam seu uso pessoal com justificativas do tipo 'eu só uso maconha e psicodélicos, que não causam dependência, não uso drogas pesadas' só estão querendo sinalizar que se acham especiais", argumenta Hart, e assim contribuem para perpetuar os estigmas e estereótipos.

Nesse ponto o leitor pode estar se perguntando por que alguém ia querer usar heroína ou crack no seu dia a dia. Todas as substâncias que alteram a mente, do tabaco e álcool à morfina, passando por LSD e ayahuasca, trazem sensações prazerosas como euforia, energia, desinibição, relaxamento, acolhimento e tantas outras; ajudam na introspecção e no autoconhecimento; ou simplesmente ajudam a tornar a vida mais tolerável.

O americano fala em reequilibrar a discussão sobre as drogas, em que essa dimensão positiva é frequentemente esquecida e os perigos exagerados.

Mas e as crianças, como protegê-las se todas as drogas forem legalizadas? "Temos várias atividades que só são permitidas a adultos, como dirigir. Não podemos banir tudo só por causa das crianças. A política de drogas não pode substituir a responsabilidade dos pais. Não podemos deixar o Estado criar nossos filhos, porque sabemos que, quando o Estado faz isso, ele é demasiado punitivo com quem está na base da pirâmide", opina Hart.

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